Canhotos também são minoria!
Quantas crianças inocentes sofreram física e psicologicamente por tantos anos, por séculos, porque nasceram canhotas? Nasceram com a sua natureza desenvolvida para escrever e fazer as coisas com mais habilidade pelo lado esquerdo do corpo? E quantas crianças, tirando o sofrimento, foram adestradas a serem destras porque o considerado normal era assim em uma sociedade que normalizou a vida com base nas demandas da maioria (tesouras, carteiras escolares, abridores de latas…)?
Você nunca pensou nisso?
Lembro-me de, na minha infância, final dos anos 1970, início dos 80, ouvir histórias de crianças que tinham sua mão esquerda amarrada – e mais antigamente até queimadas ou sacrificadas – assim que demonstravam habilidades para serem canhotas. Isso me marcou profundamente porque eu tinha uma colega canhota na escola e ela começou a escrever com as duas mãos, e me lembro também de eu mesma pegar tudo com a mão esquerda e me sentir mais forte e ágil iniciando corrida, estrela ou giros pelo lado esquerdo na ginástica olímpica. Eu poderia ter sido canhota?!
A explicação que me foi dada, na época, por uma senhora era que os canhotos eram filhos do diabo. Aquilo me marcou, me deu medo, mas também me deixou intrigada. Só mais tarde, no Catecismo para fazer a Primeira Comunhão, pude entender a relação feita: Jesus estava à direita de Deus, e Lúcifer, o anjo decaído, à esquerda.
Direita, destros, maioria, “normal”; esquerda, canhotos, minoria, marginalizados pela sociedade.
Vocês já leram alguma vez a definição de diabo ou demônio no dicionário? Pois bem, lá estará a palavra canhoto como sinônimo.
Assim, homens e mulheres, em sua limitação humana repleta de medos, preconceitos, queriam extinguir tudo e todos que, na sua ignorância, poderiam representar o demônio, para expurgar e purificar a si mesmos e a sociedade.
Desde sempre a mania de julgar o mal no outro, nunca em si mesmo.
Hoje, o medo não está mais nos canhotos, pelo menos nos grandes centros urbanos, mas o outro, outras minorias continuam sendo a bola da vez de pessoas preconceituosas e crentes de que suas certezas são o caminho da verdade.
Quantos negros, quantos pobres, quantos gays, lésbicas, trans nós estamos indiretamente (entenda “indiretamente” só porque não somos nós a apontar a arma) matando por nossos atos, visões de mundo e dogmas de fé? Quantos estão sendo mortos porque escolhemos e aplaudimos discursos extremos e, assim, alimentamos pessoas mais radicais que se sentem no direito de “queimar a mão esquerda, a criança canhota” que hoje está representada por outras minorias?
É preciso sair da caverna para enxergar além das sombras.
Sei que perto de outras minorias, ser canhoto, hoje em dia, é o menor dos problemas. Mas, como canhota, devo concordar que ainda passamos por situações (bobas) em que essa minoria se faz muito forte. Passei meses na escola brigando por uma mísera cadeira de canhoto (a escola usava aquelas cadeiras de braço e só tinha para destros)
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Minha avó costumava dizer que os canhotos eram mais inteligentes.
Acho que foi a forma de dizer que minha tia não era diferente das demais pessoas que são destas.
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