“A garota Ocidental: entre o coração e a tradição” (2016)

Assistam!!! Assistam!!! Assistam!!!
Imagine sair do cinema completamente arrepiado, emocionado, extasiado, e a pessoa que te acompanha se mostra frustrada e decepcionada. Foi o que aconteceu na sexta-feira, dia 11, comigo e com João, meu marido. Eu amei o filme “A garota ocidental: entre o coração e a tradição”, premiado no Festival de Toronto em 2016, do diretor Stephan Streker. E ele odiou.
É um filme seco e lento, sem trilha sonora que o encorpe. Entretanto, essa escolha, a meu ver, provoca o esperado: a intensificação da carga dramática enfrentada pela personagem principal. Tudo é dito no quase não-dito, que se expressa por meio dos implícitos descortinados nos rostos de todos os personagens após pequenos diálogos.
O filme nos leva a refletir sobre as diferenças culturais, que devem ser respeitadas, mas, mais especificamente sobre os direitos do indivíduo em relação às imposições das tradições. É bem complexo o tema! A vida de cada um de nós se constrói sob valores familiares, sob as tradições e aspectos culturais de um povo e, ainda para alguns, sob os preceitos religiosos que a família segue e nos quais acredita. No entanto, em determinadas situações, esses valores podem esbarrar nos desejos individuais e criar verdadeiros impasses entre o que se quer e o que se tem de seguir. “Noces”, título original do filme, possibilita várias discussões temáticas, mas a principal delas pode ser resumida em uma visão transmitida à protagonista, Zahira, por sua irmã mais velha: “É claro que a vida é injusta. Somos mulheres.” Afinal, o corpo da mulher é sempre de vários homens (pai, irmão, marido…), menos dela própria.
Embora o fechamento seja previsível (uma das reclamações de João), ele é tristemente coerente com toda a realidade que se abre aos nossos olhos. Até que ponto o ser humano, ou melhor, alguns seres humanos devem se cercear, se castigar, se reprimir em prol de um coletivo? Qual o peso e o preço das decisões que você toma para sua vida e pela sua cabeça? Até que ponto você é livre para decidir? Até que ponto suas decisões interferem (seriamente) na vida do outro? E mais: até que ponto o outro tem direito de interferir na sua liberdade?
O mais interessante é que o grito de Zahira não é um grito de rebeldia pela rebeldia, de uma jovem de 18 anos que se acha onipotente e precisa se rebelar contra tudo e contra todos. O grito de Zahira vem carregado de fé (ela pratica, onde estiver, seus costumes religiosos), de amor à família (ela não quer vê-los sofrer), de respeito a tudo o que aprendeu e ao que a constituiu como um ser pensante (seu bebê só tem alma a partir do 3o mês, mas ela já o ama desde a fase embrionária). O grito de Zahira é o grito da vida, da súplica por oxigênio, da sobrevivência básica de um ser humano que se entende como gente, e não como uma marionete nas mãos dos outros. O grito de Zahira é o grito de milhões de mulheres do Oriente, mas também do Ocidente. Mulheres abandonadas, usadas, abusadas, rotuladas, criminalizadas e discriminadas por escolherem ser livres.
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(Filme produzido pela Bélgica, França e Paquistão. Agora, no Rio de Janeiro, só está passando em uma sessão no Estação Net Rio em Botagogo. Vejam correndo antes de sair de cartaz!!!)

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