Tudo é rio, Carla Madeira

A escrita é poética; a história, arrebatadora e dilacerante. Um lado meu amou o livro, mas há algo que me incomodou bastante e me angustia. É preciso, porém, dar o braço a torcer e aceitar que essa relação de amor e ódio parece própria de uma bela obra de arte.

Perturbadora e polêmica, a narrativa nos leva ao complexo mundo das relações humanas e nos faz entrar na inescrutável e indomável profundeza de nossas almas, que moldam nossas ações, acirram nossos medos e reverberam nossas angústias.

Até que ponto é possível perdoar o imperdoável? Cabe a nós julgar quem perdoa o imperdoável por considerar que o exemplo desse perdão pode endossar a violência do outro, de outros? Todas as ações podem ser colocadas em um mesmo parâmetro e julgados por um mesmo prisma? Até que ponto o silêncio da dor e da vergonha transforma a vítima em cúmplice? Até que ponto a desumanidade do outro é uma doença cuja dor profunda pode trazer a cura?

Essas e muitas outras perguntas podemos nos fazer sobre o mundo em que vivemos ao ler “Tudo é rio”, de Carla Madeira. Mas a luz que acende em mim (apesar do incômodo e da angústia que ainda não arrefeceram) é que uma obra de arte existe para nos fazer pensar, pra gerar discussão, pra mexer no que há de mais oculto dentro de nós. Não é para apaziguar, moralizar, educar ou ensinar. Afinal, ninguém é 100% bom nem 100% mau; nem uma obra será 100% bela. Lucy, Dalva e Venâncio representam – na vida, na pele, na alma – nossas belezas e feiúras; muitas de nossas dores, dissabores, medos e traumas. E tudo isso é forjado por meio de suas experiências e relações ao longo da vida. Está aí a verossimilhança da história.

Talvez esteja na hora de a gente pensar que não há receita única de viver nem condenação única e eterna na di ou tricotomia humana, mesmo para atos imperdoáveis.

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