Está chegando a hora de jogarmos fora o ano que está acabando para nos agarrarmos à esperança de que o próximo nos salvará das desgraças anteriores. Desde que tenho alguma consciência, reproduzo isso como sempre aprendi, criando listas de projetos e promessas de renovação. Este ano, porém, estou com uma visão diferente. Por pior que tenha sido 2020, não quero jamais esquecê-lo. Eu realmente acho que não podemos esquecer 2020 com a esperança infantil de que 2021 será diferente. Se o jogarmos simplesmente fora, de nada terá servido tanto sofrimento.
Esquecer 2020 é apagar a dor de milhares de famílias que sofreram perdas irreparáveis.
Esquecer 2020 é ignorar a situação de milhões de crianças e jovens que ficaram sem escola, sem uma mínima socialização saudável de aprendizagem, abandonadas, muitas vezes, em casas carentes de estrutura… de alimentos… de segurança… de amor.
Esquecer 2020 é ignorar que a vida de milhões de brasileiros ficou exposta ao egoísmo individualista do direito à liberdade de ir e vir de pessoas que, muitas vezes, apontam o dedo moralista para inúmeras questões sociais, mas agem com uma moral elástica quando o cinto aperta na própria barriga.
Esquecer 2020 é apagar – da já tão esquecida memória brasileira – os desatinos, desgovernos e atrocidades de um governante incompetente, desumano e nada empático para com seu povo sofrido e sem educação necessária para se proteger de uma pandemia como esta que invadiu as nossas vidas. Ele teria um pouquinho do meu respeito se, ao menos, tivesse valorizado a máscara e não promovesse aglomerações de rebeldia e descaso, principalmente porque a maioria dos brasileiros depende da sua força de trabalho físico para sobreviver e não pode se isolar sem dinheiro para colocar o pão nosso de cada dia na mesa. Promover educação, consciência sanitária e agora a vacina é o mínimo que um líder deve fazer numa situação como esta que pegou a todos desprevenidos. No entanto, o que se representa e prolifera, numa ação de onipotência irreverente, é a morte. Intolerável.
2020 me ensinou a abrir mão de minhas vontades, de minha liberdade, de minhas manias, de meus consumos (muitos deles percebi desnecessários) em prol da vida, em primeiríssimo lugar da minha mãe, depois de todos os outros, desde os que amo até os que sequer conheço, porque a Vida me parece que deve ser o nosso maior objetivo.
Aliás, hoje acho que só nos tornaremos pessoas melhores QUANDO ou SE entendermos que é a Vida, e não o ato individual de viver intensamente a própria vida, o mais importante da humanidade.
Que venha 2021 com todas as vivências, dores e dissabores de 2020 registrados em nossa memória. Quem sabe se com as dores de 2020 carimbadas na pele e na alma nos tornemos pessoas melhores em 2021.