Mulheres e caça às bruxas, Silvia Federici

Mostrando como uma mesma palavra, ao longo de centenas de anos, teve o seu significado totalmente modificado para denotar um valor negativo e pejorativo sobre a mulher, Silvia Federici nos apresenta a demonização, desde o passado até nossos dias, do sexo feminino, para a construção e segurança de uma sociedade capitalista patriarcal. Em “Mulheres e caça às bruxas”, a escritora italiana, professora e militante feminista, apresenta a construção histórica da demonização da mulher:

“Desde essa época [século IV d.C.], a necessidade de proteger a coesão da Igreja como clã masculino, patriarcal e de impedir que sua propriedade fosse dissipada devido à fraqueza clerical diante do poder feminino levou o clero a retratar o sexo feminino como instrumento do diabo – quanto mais agradável para os olhos, mais mortal para a alma. Esse é o tema central de toda a demonologia, a começar por Malleus maleficarum, provavelmente o texto mais misógino já escrito. Fosse católica, protestante ou puritana, a burguesia emergente deu continuidade a essa tradição, mas com uma deformidade, já que a repressão do desejo feminino foi colocada a serviço de objetos utilitários, como a satisfação das necessidades sexuais dos homens e, mais importante, a geração de mão de obra abundante.” (p. 67)

Após uma apresentação histórica da caça às bruxas, como também caça à liberdade da mulher, Federici expõe sua tese sobre a situação da mulher hoje:

“Minha tese, em outras palavras, é de que estamos assistindo a uma escalada da violência contra as mulheres, especialmente afrodescendentes e indígenas nativas, porque a ‘globalização’ é um processo político de recolonização destinado a entregar ao capital o controle inquestionável sobre a riqueza do mundo natural e o trabalho humano, e isso não pode ser alcançado sem atacar as mulheres, que são diretamente responsáveis pela reprodução de suas comunidades.” (p. 94)

Embora traga questões que dizem respeito a todas as mulheres, Silvia Federici denuncia claramente os massacres que vêm ocorrendo em diversos países da África:

“(…) é importante reconhecermos que há muito o que as mulheres e as feministas podem fazer para se opor a essas novas caças às bruxas e que essa intervenção é urgentemente necessária. (…) se as mulheres não se organizarem contra essas caças às bruxas, ninguém mais fará isso, e a campanha de terror continuará sob a forma de caça às bruxas ou de novas maneiras. Uma lição que podemos tirar do retorno da caça às bruxas é que essa forma de perseguição não está mais vinculada a um momento histórico específico. Ela adquiriu vida própria, de modo que os mesmos mecanismos agora podem ser usados em sociedades diversas, quando nelas houver pessoas que precisam ser ostracizadas e desumanizadas. As acusações de bruxaria, na verdade, são o mecanismo supremo de alienação e distanciamento, na medida em que tornam as pessoas acusadas – que ainda são principalmente mulheres – seres monstruosos, dedicados à destruição de suas comunidades, transformando-as, portanto, em não merecedoras de qualquer compaixão e solidariedade.” (p. 137-138)

Preciso ler mais livros desta autora. Já está na fila de leituras imprescindíveis Calibã e a bruxa.

FEDERICI, Silvia. Mulheres e caça às bruxas: da Idade Média aos dias atuais. 1ª ed. – São Paulo: Boitempo, 2019.

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