Assim na terra como embaixo da terra, Ana Paula Maia

Conheci Ana Paula Maia há poucos dias, em outubro, quando me foi apresentado o livro Assim na terra como embaixo da terra. Li-o vorazmente e com uma sensação de que toda a construção ficcional da Colônia retrata e representa o real descaso da sociedade para com aqueles que são retirados dela para pagarem uma sentença por um crime cometido. E mais! Um descaso proposital, em se tratando da nossa realidade, para que haja o mínimo de possibilidade de reinserção do preso após cumprir sua pena.

“Dedicou a vida a permanecer encarcerado contendo a maldade atrás dos muros. Ali não havia homem bom; talvez algum deles já tivesse conhecido a bondade um dia, porém o tempo cuidou de apagar qualquer traço do que possa ter havido de bom neles. Melquíades já havia perdido toda a sua bondade, inocência e misericórdia; só restava cuidar dos demônios para que não fugissem do inferno.” (p. 71)

A violência e o desejo de vingança, com o eufemismo da limpeza da criminalidade, parecem não só hereditários como são também alimentados por muitos que não parecem enxergar as faltas em si mesmos. Mas acreditam em Deus e o carregam fisicamente consigo por meio da presença constante de sua palavra. Em nome de Deus, podem matar?!

“Aprendeu com o pai, um ex-policial, que o lugar para se manter um bandido é debaixo da terra. O pai morreu antes de completar cinquenta anos. Foi em um confronto com criminosos. Antes de ser baleado e cair de uma altura de trinta metros, fuzilou pelo menos seis. Seu nome consta nos registros de heróis da polícia. Em casa, era fechado e quieto. Na maior parte do tempo, compungido. Gostava de ler a Bíblia, e carregava consigo um pequeno exemplar no bolso do uniforme (…)” (p. 80)

Ana Paula Maia, com uma linguagem cortante e direta, nos apresenta, nesse livro, a podridão humana em sua mais vil natureza. Por vezes, me remeteu ao Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.

A surpresa foi que, logo em seguida, como costumo fazer quando conheço um novo autor que me encanta, comprei De gados e homens para ler e reencontrei nele (li agora em novembro) a personagem Bronco Gil. Não falarei aqui sobre ele para não dar spoiler, mas é interessante ver que este livro foi escrito em 2013, enquanto Assim na terra como embaixo da terra é de 2017. Só lendo os dois (valem muito a pena!) para conhecer a existência da personagem de uma obra para a outra.

Deixo uma última passagem, para refletirmos sobre o que estamos fazendo com seres humanos e como cada vez lavamos mais as nossas mãos.

“De fato, constata, esses muros não servem apenas para manter os condenados confinados, mas para apagar qualquer vestígio da existência desses homens. Do lado de fora, ninguém se importa. Ninguém quer ver o que se passa ali dentro. Aquilo que não serve, que não presta para mais ninguém. Assim como lixo que se amontoa extingue-se no fogo, assim são os entremuros para os confinados. O lixo, porém, ainda se recicla. Para esses homens, não há quem lhes confie uma nova chance.” (p. 127)

MAIA, Ana Paula. Assim na terra como embaixo da terra. Rio de Janeiro: Record, 2017.

MAIA, Ana Paula. De gados e homens. Rio de Janeiro: Record, 2013.