Uma nova produção da Netflix traz Chelsea, humorista americana que enriqueceu com seu trabalho, discutindo o privilégio branco. Ela foi considerada, anos atrás, uma grande influenciadora pela revista Time. E é por isso que considero a produção importante nesse momento. Essa figura pública – embora não com a mesma força para os brasileiros – poderá “cutucar” mais pessoas brancas e levá-las/levar-nos a refletir sobre seus/nossos privilégios.
O documentário começa mostrando a riqueza e o conforto conquistados pela humorista em sua carreira. Ressaltaram logo aos meus olhos, porém, os funcionários (empregada doméstica, jardineiro e, mais a frente, motorista) de Chelsea com características bem diferentes dela, que é branca, loira, de olhos claros. A meu ver proposital, a apresentadora está se expondo para expor o privilégio de muitos e mexer nas estruturas principalmente dessas pessoas que a seguem.
Com incômodos iniciais das verdades que precisam ser ditas e repetidas (para, mais do que enxergarmos, assimilarmos que as diferenças não estão distantes de nós, mas se fazem presentes em todos os instantes de nossas vidas e precisamos assumir papel de real mudança), a produção trouxe histórias fortes, que emocionam e mexem, mas que também precisam ultrapassar essa etapa e virar ação real de brancos. Afinal, como foi dito por W. Kamau Bell à Chelsea,
as pessoas precisam entender que o racismo não é um sentimento. Não é uma emoção…
Logo no início, Chelsea – e consequentemente qualquer um de nós, brancos, que têm assumido essa busca por uma conscientização – é enquadrada por um membro do grupo de alunos da USC, no evento “Noite do Palco Aberto”. Ele diz:
Uma das coisas que percebi ao debater sobre privilégio branco é que sempre acaba sendo sobre a experiência das pessoas não brancas. Chega aqui, para aqui e nunca se fala sobre a branquitude. E eu acho que quando você pergunta “o que eu posso fazer?” ou “o que ‘nós’, a coletividade que se identifica como brancos, podemos fazer?” (a resposta dele) é aprender sobre os outros, mas também aprender sobre si mesmos.
Assumo – ouvindo essas palavras, vivendo o que tenho vivido e lendo o que tenho lido – que é chegada a hora de nós, brancos, entendermos que o que conquistamos está carregado de privilégios, sim. Isso não significa menosprezar ou anular nossas batalhas individuais para conquistar esta ou aquela posição na sociedade em relação a outros semelhantes (na maioria das vezes tão brancos quanto), mas ter consciência de que minhas/nossas lutas têm menos barreiras ou entraves simplesmente porque somos brancos. E, se isso não é justo para com os não brancos, considero também indigno para nós, que o somos. Pense comigo: quando entendo que a concorrência para mim não está em pé de igualdade da concorrência para eles, minhas vitórias passam a ter um sabor diferente. Como posso vibrar, comemorar intensamente, se minhas vitórias não têm a justiça de uma balança equilibrada? A meu ver, minhas vitórias deixam de ter o mesmo valor porque não concorri com todos que poderiam fazer parte desse processo por uma questão maior: desigualdade de oportunidades e racismo estrutural.
Acho que outros dois membros do mesmo grupo já mencionado apresentam essa ideia quando afirmam para Chelsea:
Vc está usando o seu privilégio branco. E o que vai fazer com isso além de entrar nesse espaço e assumi-lo?
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Existe um jogo diferente que nós temos de jogar e existe uma situação diferente na qual nossas vozes ficam limitadas.
Uma das partes que mais me tocaram foi a conversa da humorista com uma professora universitária. Carol Anderson diz a Chelsea:
Brancos precisam conversar com outros brancos sobre qual é a história verdadeira e quais são as consequências verdadeiras. São conversas difíceis porque isso é reorganizar a história de um povo. Você está reorganizando histórias pessoais. É como bater no fundo da identidade de uma pessoa. E aí é onde está a reação adversa, é onde reside o mecanismo de defesa.
Precisamos entender os erros do passado para não repeti-los, mas também para não os matermos com disfarces. Eles aparecem muito nos pequenos detalhes de nossas ações diárias. Uma das mulheres entrevistadas, uma politica conservadora da Califórnia que nega o privilégio negro, percebe, numa situação relatada por Chelsea, que há diferença e demonstra isso. Então, confrontada por outra conservadora de seu grupo que não gosta da reação, ela se refaz com um jogo de palavras para continuar negando a existência, mas não mais consegue negá-la, de fato, por inteiro:
Concorda que o privilégio negro existe? (pergunta a colega incomodada) Não. Eu concordo que o desprivilégio negro existe.“
Como professora, branca, com total consciência de inúmeros privilégios que sempre tive, fecho essa publicação com as palavras da Professora Carol Anderson à Chelsea:
O mais importante é que você não está dizendo somente ‘Eu sei disso’.Você está vindo em busca de conhecimento. E começar pensando em como você chegou aqui é absolutamente essencial. Isso tem a ver sobre como o sistema tem criado vencedores e perdedores, independentemente do que eles fazem. E é assim que ele tem redistribuído oportunidades: baseado em nada. Nada além do privilégio.
Sou parte disso tudo. Quero fazer parte dessa mudança. E as perguntas que tenho me feito ultimamente quando preparo minhas aulas são:
1. Como posso fazer a diferença, como professora, na vida de meus alunos pretos e pardos?
2. Como posso fazer a diferença na vida deles também a partir da diferença que fizer na vida de meus alunos privilegiados por serem brancos?
Se alguém puder me ajudar… Quero aprender. Agradeço.