O cérebro no mundo digital – II

Destaco aqui uma passagem do último capítulo do livro O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era, de Maryanne Wolf. Páginas 233 a 235. Outras publicações minhas sobre o livro aqui e aqui.

A contribuição mais importante da invenção da escrita para nossa espécie é um fundamento democrático para o raciocínio crítico inferencial e as capacidades reflexivas. Isso é a base para uma consciência coletiva. Se nós, no século XXI, quisermos preservar uma consciência vital coletiva, precisamos garantir que todos os membros de nossa sociedade sejam capazes de ler e pensar bem e em profundidade. Fracassaremos como sociedade se não educarmos nossas crianças e não reeducarmos os cidadãos para a responsabilidade de processar as informações de maneira vigilante, crítica e criteriosa, em todas as mídias. E falharemos inevitavelmente como sociedade, como falharam as sociedades do século XX, se não reconhecermos e aceitarmos que aqueles que discordam de nós têm a capacidade de raciocinar reflexivamente.

(…) uma democracia só dá certo quando os direitos, pensamentos e aspirações de todos os cidadãos são respeitados e podem ser expressos, e os cidadãos acreditam que isso é verdade, independentemente de seu ponto de vista. O grande perigo – insuficientemente discutido – para uma democracia não provém da expressão de pontos de vista diferentes, mas da incapacidade de garantir que todos os cidadãos sejam educados para usar plenamente suas capacidades intelectuais ao formar esses pontos de vista. O vácuo que ocorre quando isso não é percebido leva inevitavelmente à vulnerabilidade diante da demagogia, na qual esperanças e medos criados falsamente desbaratam a razão, e a capacidade de pensar reflexivamente regride, junto com a tomada de decisão racional e solidária.

(…)

Assim como me preocupa que os jovens, por sua confiança excessiva em fontes externas de informação, possam não ter noção do que não sabem, preocupa-me que nós, seus guias, não percebamos o insidioso estreitamento de nosso pensar, o encurtamento imperceptível da atenção que damos a questões complexas, a insuspeitada diminuição de nossa capacidade de escrever, ler ou pensar para além de 140 caracteres. Precisamos todos fazer um balanço de quem somos como leitores, escritores e pensadores.

Os bons leitores de uma sociedade são ao mesmo tempo seus canários – que detectam a presença de perigo para seus membros – e os guardiães de nossa humanidade comum. A grande prerrogativa da terceira vida de leitura é a possibilidade de transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em sabedoria.

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