Do livro O Cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era, de Maryanne Wolf.
“Preocupo-me com o fato de que estamos a um breve passo de deixar de reconhecer a beleza no que está escrito. Preocupo-me porque estamos ainda mais perto de jogar fora pensamentos complexos, quando não se encaixam na restrição, desastrosa para a memória, ao número de caracteres usados para transmiti-los. Ou quando estão enterrados na vigésima e última página menos lida de uma busca no Google. A cadeia digital que leva da proliferação da informação às doses ralas e visualmente sedutoras, consumidas diariamente por muitos de nós, precisará de mais do que da vigilância da sociedade para que a qualidade de nossa atenção e memória, a percepção da beleza e do reconhecimento da verdade e as complexas capacidades de tomada de decisão baseadas em todas elas não se atrofiem ao longo do caminho.
Quando a linguagem e o pensamento se atrofiam, quando a complexidade se esvai e tudo se torna cada vez mais o mesmo, corremos grandes riscos na política da sociedade – vindos quer de extremistas de organizações políticas ou religiosas ou, menos obviamente, de publicitários. Executada cruelmente ou reforçada sutilmente, a homogeneização nos grupos, nas sociedades ou na língua pode levar à eliminação de tudo que seja diferente ou que seja ‘outro’. A proteção da diversidade na sociedade humana é um dos princípios que foram incorporados em nossa Constituição e, muito antes disso, em nossa cerebrodiversidade genética. Tal como foi descrita por geneticistas, futurólogos e mais recentemente por Toni Morrison em seu livro The Origin of Others, a diversidade promove o avanço no desenvolvimento de nossa espécie, a qualidade de nossa vida em nosso planeta conectado, e mesmo nossa sobrevivência. Nesse contexto abrangente, precisamos trabalhar para proteger e preservar os usos requintados, amplos e não achatados da língua. Quando é alimentada, a linguagem humana proporciona o mais perfeito veículo para a criação de pensamentos não limitados, nunca antes imaginados, que por sua vez fundamentam avanços em nossa inteligência coletiva. O inverso é também verdadeiro, com implicações traiçoeiras para cada um de nós.” (Trecho da Carta Número 4, posição 2017 de 5197, do Kindle)