“As boas mulheres da China”, de Xinram – II

No dia em que comecei a ler As boas mulheres da China, de Xinram, fiquei tão impactada com a primeira história que precisei escrever logo sobre o livro aqui.

Dias depois, porém, já tendo terminado a leitura, o colega de profissão que me indicou o livro me pediu que lhe dissesse as duas histórias que mais tinham me impactado. Respondi-lhe, então, isto:

Todas as histórias são impactantes, comoventes e desesperadoras. Escolher uma ou duas é bem complicado, mas, como uma curiosidade, digo que chorei imensamente ao ler logo a primeira que vc já tinha comentado e me levou a ler o livro todo, “A menina que tinha uma mosca como animal de estimação”, e, bem mais a frente, “A filha do general Komintang”. Mas a última, aquela que passa num lugar muito afastado de tudo e Xinram dorme numa gruta para conhecer e levar informação àquela comunidade bem pobre, também é devastadora. Não há bons adjetivos para o que se desvenda aos nossos olhos em “As boas mulheres da China”. O livro dilacera a nossa alma e desnuda a maldade humana.

Deixo aqui um trecho desta última história que mencionei. Chama-se “As mulheres da colina dos Gritos”:

As mulheres são valorizadas apenas pela sua utilidade: na qualidade de instrumentos de reprodução, são o artigo de comércio mais precioso na vida dos moradores. Os homens não hesitam em trocar duas ou três filhas pequenas por uma esposa de outra aldeia. A prática mais comum é casar uma mulher da família e arrumar uma esposa em outra aldeia, por isso a maioria das mulheres da colina dos Gritos vem de fora. Depois de se tornarem mães, são forçadas a ceder as filhas. Na colina dos Gritos, a mulher não tem direitos de propriedade nem de herança. Ali também ocorre a prática social incomum de uma esposa ser dividida entre vários maridos. Na maioria desses casos, são irmãos extremamente pobres, sem mulheres para trocar, que compram uma esposa e a compartilham entre si para dar continuidade à família. De dia beneficiam-se da comida e dos trabalhos domésticos que ela faz, e à noite desfrutam do seu corpo. Se tem um filho, nem ela mesma é capaz de dizer quem é o pai. A criança se refere a Papai Grande, Segundo Papai, Terceiro Papai, e assim por diante. Os aldeães não consideram a prática ilegal, porque se trata de um costume estabelecido há muitas gerações, o que o torna mais poderoso do que a lei. Também não zombam das crianças que têm muitos pais, pois elas gozam da proteção e da propriedade de vários homens. Ninguém sente compaixão alguma pelas esposas compartilhadas; para eles, a existência das mulheres é justificada pela sua utilidade.”

Esse livro entrou para a lista dos meus favoritos.

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