Deus ajude essa criança, pelo que já ouvi dizer, não é dos mais badalados livros de Toni Morrison. Esse, porém, é o primeiro livro que leio da primeira autora negra a receber o prêmio Nobel de literatura, em 1993.
O que me veio à cabeça em vários momentos da leitura, por sinal rápida e fluida, foram os versos da canção Dom de iludir, de Caetano Veloso, bastante conhecida na interpretação de Gal Costa:
Cada um sabe a dor e a delícia / de ser o que é.
As várias histórias pessoais, narradas em primeira pessoa, que perpassam a linha dorsal da história de Lula Ann, também narradora do seu modo de ver o mundo e personagem principal, poderiam ser epigrafadas por esses dois versos.
Entretanto, entendendo todos os traumas, todos os erros e ciente pela narrativa de todas as consequências expostas, eu me afeiçoei, por incrível que pareça, à Mel – ou, ao menos, tentei entender o desespero e rigidez dela na criação de sua filha Lula Ann, codinome Bride. A verdade é que temos marcas e preconceitos tão arraigados, que nos utilizamos deles para criar a casca a fim de enfrentar a dura vida que nos espera. E é essa carapaça construída a ferro e fogo sabidamente doída, que também, muitas vezes, queremos, apesar da dor consciente, preparar os que dependem de nós. Tanto a dor quanto o amor podem gerar, paradoxalmente, traumas e alegrias, dependendo de quem os impõe/doa e de quem ou como os sente/recebe.
No fim de tudo, a percepção de mundo e a reação a ele é sempre solitária, pessoal e intransferível.