Título bastante sugestivo para o que estamos vivendo nos últimos meses no Brasil – com os nomes que eram cotados (e se confirmaram!) para os Ministérios e as ideias (“princípios” e “valores”) que se desejam impor goela abaixo – o livro, na bancada de entrada da Livraria Travessa, se abriu rapidamente aos meus olhos, logo após a morte do autor, Amós Oz, em 28 de dezembro de 2018.
Como curar um fanático é composto por dois ensaios, uma palestra, um artigo e uma entrevista com o autor. Pequenos – e de fácil e rápida leitura -, os textos nos mostram o quanto somos patéticos em nossas visões limitadas de mundo, em que o certo está de um lado e o outro precisa ser mudado, curado, salvo de seus erros e convicções. Ele afirma que “o fanatismo muitas vezes origina-se na vontade imperiosa de modificar os outros pelo próprio bem deles”. E acrescenta que “com mais frequência do que o contrário, o fanático é um grande altruísta: está mais interessado em você do que nele mesmo”. (p. 27)
Oz aponta alguns remédios para curar o fanatismo. Um deles, e muito interessante aos meus olhos, é a Literatura: “a característica que define a boa literatura, ou a arte, é a capacidade de fazer se abrir um terceiro olho em nossa testa. Que nos faça ver coisas antigas e batidas de um modo totalmente novo. ‘Mesmo uma visão antiga tem um instante de nascimento’, como expressou o grande poeta israelense Nathan Alternam”. (p. 13) Mas o autor chama atenção também para o oposto. Ele diz que há poemas e histórias que “têm sido usados para inflamar o ódio e inflamar uma autopercepção de sua suposta justiça nacionalista” (p. 77). Apesar disso, há inúmeros outros que podem ajudar a ver o mundo e as consequências das ações e escolhas humanas de forma a mudar concepções estritas. E ele acredita na força superior disso. Como possibilidades, cita Shakespeare, Gogól, Kafka, William Faulkner, Yehuda Amichai.
Outro antídoto contra o fanatismo seria o senso de humor. Oz afirma que nunca viu um fanático com senso de humor. Para ele, “fanáticos são frequentemente sarcásticos. Alguns deles têm um senso de sarcasmo muito agudo, mas não de humor. O humor encerra em si a capacidade se rirmos de nós mesmos”. (p. 78-79)
Amós Oz faz uma boa sugestão que, em tempos de imposições como Escola Sem Partido, seria fundamental:
“Talvez já seja tempo de toda escola e toda universidade começar a ministrar um curso sobre fanatismo comparado. / Eu acredito que o violento embate global de nossa época não é entre ricos e pobres (…) Nem é uma ‘guerra entre civilizações’. (…) Acredito que a síndrome de nossa época é a luta universal entre fanáticos, todos os tipos de fanáticos, e o resto de nós. Entre os que creem que seus fins justificam os meios, todos os meios, e o resto de nós que julga que a vida humana é um fim em si mesma.” (p. 26-27)
Enfim… mais uma leitura maravilhosa para a conta!
OZ, Amós. Como curar um fanático: Israel e Palestina – entre o certo e o certo. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.