Como contadora de histórias reais, a pergunta que me move é como cada um inventa uma vida. Como cada um cria sentido para os dias, quase nu e com tão pouco. Como cada um se arranca do silêncio para virar narrativa. Como cada um habita-se.
Desta vez, fiz um percurso de dentro para dentro. Me percorri. Lembranças não são fatos, mas as verdades que constituem aquele que lembra. Recordações são fragmentos de tempo. Com elas costurando um corpo de palavras que nos permite sustentar uma vida. Quem conhece as pessoas e as situações aqui contadas poderá rememorá-las por outros caminhos, a partir de suas próprias circunstâncias. Ao descrever aqueles que morreram, possivelmente confronto as reminiscências de outros. Os que ainda vivem talvez discordem do que neles adivinho porque enxergam a si mesmos de modo diverso.
Esta é a minha memória. Dela eu sou aquela que nasce, mas também sou a parteira.
In: Brum, Eliane. Meus desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2014. (edição digital)