A máquina de fazer espanhóis – Valter Hugo Mãe

Este foi o 5o livro seguido que li de Valter Hugo Mãe. Resolvi entrar nessa “maratona” durante as férias, depois de ter, em dezembro, me apaixonado por O filho de mil homens.

É impressionante como Mãe consegue trazer ao leitor uma multiplicidade de personagens tão distintos entre si, na idade, nas relações sociais e nas fases afetivas da vida. Se, ao ler, mergulho nesses seres e vou por eles e com eles, pouco a pouco, criando empatia com outras formas de ver o mundo, o autor, nascido em 1971 como eu, parece muito além do nosso tempo para enxergá-los e criá-los todos com tanta complexidade. Ele vai, de modo preciso e contundente, sem perder a poesia, desvendando nossas falhas e limitações, anseios e angústias, carências e preconceitos por meio de seus personagens. Não posso dizer outra coisa senão estar apaixonada e agoniada. Mãe me perturba e me prende, me destroça e me acalenta. Como disse Saramago sobre outro livro que já vou começar a ler, o remorso de baltazar serapião: “um tsunami”, “uma revolução”. Acho que não somente o livro, mas Valter Hugo Mãe é que é um verdadeiro tsunami.

A máquina de fazer espanhóis tem uma riqueza de significados e possibilidades de leitura e interpretação ímpar. A minha leitura, no entanto, vai se limitar a um sentimento que vivi nos últimos anos, com a doença e morte de meu pai, e estou vivendo hoje com a presença sempre tão carente e sofrida de minha mãezinha, viúva e frágil.

A história começa com a morte de Laura, esposa a vida inteira do senhor Silva, narrador-personagem protagonista. Aos 84 anos, ele perde sua esposa, sua casa e sua independência. Tudo muito rápido que nem dá para assimilar direito. Viúvo, é deixado por seus filhos em um asilo onde toda a história vai se passar. A vida da filha, genro e netos – com quem tinha boa convivência, pois o outro filho mora no exterior e não retorna nem para o enterro da mãe – continua normal e colorida pelo olhar do narrador enclausurado no asilo de paredes totalmente brancas. E dessa forma vamos, com o passar dos dias, conhecendo as dores e (res)sentimentos do protagonista quanto à vida e à família. Novos amigos são feitos, a perda é uma constante entre eles. Se o corpo vai perdendo as forças, a cabeça funciona intensamente e essa consciência talvez seja o que mais causa tanta dor e angústia.

Ler esse romance aos 47 anos para quem acabou de perder o pai e tem mãe e sogra mais velhas que o senhor Silva é um soco no estômago. (Talvez lê-lo aos 70, 80… seja pior!) Se, por um lado, estou tranquila e sem peso na consciência por estar fazendo diretamente a minha parte para dar dignidade e conforto a meus pais dentro de minha própria casa sem entregá-los a terceiros, por outro, é doloroso enxergar pelos personagens que estão no asilo “feliz idade” o que se passa na cabeça de quem está beirando a morte. É como se eu estivesse ouvindo e revendo várias falas sofridas e sinais silenciosos de minha mãe nos últimos seis meses.

Não tenho medo da morte, mas sinto um estranho incômodo quanto à dependência e/ou falta de livre-arbítrio na velhice. O livro, porém, me mostrou algo que já venho percebendo há muito tempo. Sempre fui de agregar, de juntar, fazer as reuniões familiares etc., até que me dei conta de que aquilo não significava nada em termos de união familiar. E é a mais pura verdade!

(Pequeno spoiler) A vontade bem concreta e consciente de senhor Silva deserdar seu filho que nem ao enterro da mãe foi, para mim, mais do que legítima. (Fim do spoiler)

Dizer que ama, mas nada faz pelo idoso; dizer que ama, mas raramente faz uma visita ou procura para um encontro pessoal, cara a cara, com tempo para conversar e, principalmente, ouvir; dizer que ama, mas não se dá ao trabalho de cuidar uns dias, de levar para passear… Isso não é amor! E não adianta chorar depois, contar historinhas com desculpa, arrependimentos aqui ou ali… A vida é o agora. É o que se faz aqui e agora. Aliás, tudo a ver com o título que remete a um desejo de ser o que não é, viver um sonho (e não focar na realidade).

Perdoem-me não fazer uma análise mais específica do livro, mas ele mexeu muito com meus sentimentos e emoções na vida privada.

Deixo, como parte de meu encantamento pela leitura, um trecho do 2o capítulo lido, de forma bem simples, por mim:

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