Michico Kakutani, conhecida como crítica literária do The NYT, é autora de um dos livros mais importantes sobre o que estamos vivendo agora no Ocidente: a morte da verdade.
Com exatamente este título A morte da Verdade: notas sobre a mentira na Era Trump, Kakutani apresenta suas leituras e pontos de vista, embasados em dados e pesquisas, acerca da eleição de Trump, da produção de fake news, do uso de algoritmos para influenciar eleitores, viralizar nas redes e criar nichos de mensagens favoráveis ao, então, candidato e desfavoráveis à sua rival, Hillary Clinton.
Segundo a autora, a proposta temática do livro é descortinar “as raízes da falsidade na era Trump” e descobrir como “a verdade e o bom senso se tornaram espécies ameaçadas de extinção e o que a sua morte iminente sugere para o futuro do nosso discurso público, da nossa política e dos nossos governantes”. (2018, p. 13-14)
Com várias relações intertextuais ricas e muito pertinentes, como a comparação com situações de 1984, de Georg Orwell, de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e de Origens do totalitarismo, de Hannah Arendt, dentre outros, a crítica literária americana nos traz um panorama da morte da verdade com a autoridade de quem vem percebendo, já há algum tempo, a criação arquitetada de uma distopia. É possível perceber, porém, que ela ainda está incrédula de que, de fato, tal criação se concretizou aqui e agora.
Ler esse livro logo após a vitória de Jair Bolsonaro nas urnas brasileiras e ver toda a discussão que se instaurou também aqui – sobre algoritmos, fake news, manipulação das massas com frases de efeito, que mexem nos medos e rancores mais íntimos da população, com promessas de salvação pela força e empoderamento – fez-me associar inúmeras questões e pensar sobre o que estamos construindo ou destruindo em nossa sociedade.
Em entrevista ao jornal O Globo, dois pontos me chamaram a atenção. Perguntada sobre se no Brasil também havia candidatos dizendo-se ‘anti-establishment’, pregando o medo do outro e se a eleição de Trump seria responsável por isso, Michico Kakutani respondeu que se trata “mais de uma onda de populismo ao redor do mundo. Políticos de direita têm cinicamente apelado ao ódio e ao medo, atacando minorias e imigrantes, tentando deslegitimar oponentes como um bando ‘do mal’ e atacando a imprensa e o sistema judiciário.”
Ela ainda acrescentou – após perguntarem em que sentido enxergava “características de Hitler, Lenin e Mussolini em Trump” – que “autocratas e projetos autoritários de direita e de esquerda empregaram táticas semelhantes para consolidar o poder: minar as instituições que protegem o estado de direito e suspender os sistemas de equilíbrio entre os três poderes.” Kakutani disse também que “por meio da demagogia, criam uma visão do nós contra eles e promovem frases cínicas como ‘todos mentem’ ou ‘todos roubam’, que tira o ânimo do povo de participar do processo político.”
Ainda respondendo à mesma pergunta, a autora nos fala, antes mesmo de ocorrer, sobre o tema de redação do ENEM-2018. Ela defende que “os algoritmos designados para otimizar o tempo que um usuário passa numa plataforma, privilegiando a popularidade sobre a precisão, ajudam a espalhar ‘fake news’ e teorias da conspiração”. E apresenta uma espécie de solução para o problema: “Os jornalistas, junto com educadores e bibliotecários, devem promover a educação sobre a mídia. É preciso saber avaliar as fontes de informação. Devemos julgar candidatos baseados na razão e nos valores do bom senso e do bem comum“.
O que posso mais dizer sobre este livro? Leia-o imediatamente! Ele é fundamental para entendermos um pouquinho o mundo em que estamos vivendo e nos preparar criticamente – se é que é possível – para o que ainda está por vir.
(Pretendo, nos próximos dias, transcrever ou gravar alguns trechos do livro para disponibilizar aqui.)
Sempre precisa em suas resenhas e observações! Um abraço, Tati e resistamos!
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