Fui votar com dois livros: um na mão; outro na bolsa. O da mão comprei nesta semana e comecei a ler ontem: Como as democracias morrem, de Steven Levitsky & Daniel Ziblatt, da Ed. Zahar. O outro é infantil, de contos populares.
Conheci a Triste História da Princesa Eredegalda, do livro Enquanto o sono não vem, por causa de divulgação preconceituosa via Whatsapp. A mensagem dizia que meu candidato era a favor de um livro que contém um conto que incentivaria o incesto entre pai e filha. Sem gostar dessas condenações baseadas em juízos de valores morais que muito me afligem, fui lê-lo, então.
Adivinhem o que li?!
Uma história infelizmente bem possível na vida de muitas crianças em nossos tempos. Entretanto, enquanto alguns com a mente suja acreditam que é incentivo ao incesto, enxerguei, com olhos bem esclarecidos, o que a literatura permite às pessoas que com ela sobrevivem a este mundo doente.
A história da Princesa Eredegalda permite que inúmeras crianças possam se reconhecer como vítimas de abuso e de violência por pais, padrastos ou outros parentes dentro de sua própria casa. E isso lhes dá a chance de falar e expor suas dores, às vezes até sem total consciência, para serem cuidadas e, quem sabe, levar o abusador à prisão. O que li, então, nem de longe poderia incentivar o incesto. Ao contrário! O triste poema (é um poema narrativo) ajuda a denunciar o abuso de menores e também a violência que mulheres sofrem em suas casas, tendo de se calar, mesmo quando sabem o que se passa.
Espero sinceramente que o novo governo e as tantas pessoas com seus arroubos moralistas que o seguem não deturpem, não corrompam nem censurem nossa Arte.