Estamos vivendo um período crítico de conservadorismo exacerbado e de bruxas e chifres sendo vistos em cabeças de cavalo e em obras de arte. Por esse motivo, precisamos ler de fontes diversas e refletir mais para não sucumbirmos à prisão cíclica que, comumente, nos impomos em relação ao modo de pensar e de agir. Repetir os mesmos erros do passado mostra o quão ainda nada sabemos sobre nós mesmos.
Hoje, nos Estados Unidos, comemora-se o Dia das Bruxas. Nossa tradição brasileira não celebra esse dia, mas a americanização de nossa cultura consumista leva muitas escolas a incorporarem a data em seu calendário festivo. Sem querer cair nessa americanização, aproveito a lembrança do dia, apenas, para compartilhar um trecho de um livro que estou lendo. Ele mostra o que fizemos (nós, seres humanos!) no passado para fugir do que nos assombra e esconder o que nos compromete ou nos aterroriza. É o mesmo que continuamos fazendo hoje quando clamamos por censura de museus, de exposições, de livros, de discussões nas salas de aula etc.
Reflitamos!
Às vezes, várias camadas culturais superpostas desorganizam os esqueletos das histórias. Por exemplo, no caso dos irmãos Grimm (entre outros colecionadores de contos de fadas dos últimos séculos), existe forte suspeita de que os informantes (os contadores de histórias) daquela época às vezes “purificavam” as histórias em consideração aos irmãos religiosos. Também suspeitamos de que os famosos irmãos tenham continuado a tradição de cobrir antigos símbolos pagãos com outros cristãos, de tal modo que uma velha curandeira num conto passava a ser uma bruxa perversa; um espírito transformava-se num anjo; um véu ou coifa iniciática tornava-se um lenço (…). Os elementos sexuais eram omitidos. Animais e criaturas prestimosas eram transformados em demônios e espíritos do mal.
Foi assim que se perderam muitos contos femininos que continham instruções sobre o sexo, o amor, o dinheiro, o casamento, o parto, a morte e a transformação. Foram assim que foram arrasados e encobertos os mitos e contos de fadas que explicam mistérios antiquíssimos das mulheres. Da maioria das coletâneas de contos de fadas e mitos hoje existentes foi expurgado tudo o que foi escatológico, sexual, perverso, pré-cristão, feminino, iniciático, ou que se relacionasse com as deusas; que representasse a cura para vários males psicológicos e que desse orientação para alcançar êxtases espirituais.
(Trecho transcrito de ESTÉS, Clarissa Pínkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem. 1a. ed. – Rio de Janeiro: Rocco, 2014. p. 29-30)
Quantos morreram no passado por causa de nossa ignorância, de nossos medos e credos? Quantos morrem hoje com a nossa intolerância? Quantos continuam vivos, fisicamente, mas são mortos em alma e em psique, e vivem perambulando por aí, tristes, deprimidos, quase sem vida?
Quem são as reais bruxas de nosso mundo?