Tati Bernardi é colunista da Folha de São Paulo. Costumo gostar muito de seus textos, mas este, em particular, talvez pelo que estou vivendo no momento, muito me emocionou. Foi publicado em 08 de setembro de 2017. E pode ser encontrado neste link aqui.
Tenho apenas uma tia que mora perto de vovô, no interior, mas ela sofre de esporão nas duas solas dos pés. Tem 62 anos, mas resolveu ter 90 desde o Natal passado, quando percebeu que ser muito doente e muito velha e muito impossibilitada era sua única salvação: considerando que ela é a única (e mais jovem) descendente de vovô que mora perto de vovô, a velhice de vovô sobraria só pra ela (que já era velha demais pra se ver com essa sobra).
Acontece que vovô precisava vir a São Paulo fazer uns exames, então durante 27 dias a família, em vez de resolver a questão mais urgente que é a saúde de vovô, discutiu se isso era problema de minha tia que estava próxima para trazê-lo ou de meu tio paulistano, que estava próximo para recebê-lo. A estadia de vovô em São Paulo é problema de quem pode levar ou de quem pode receber? Eu argumentei, no grupo de WhatsApp da família, que era, igualmente, responsabilidade dos dois lados e foi então que minha vida virou um inferno.
Minha tia do interior me ligou para explicar toda a limitação locomotiva causada por seus esporões. Em seguida meu tio paulistano me ligou para explicar os motivos que o levavam a crer que os esporões da irmã eram mentira. Minutos depois me ligou novamente minha tia para se defender pois ela estava pressentindo que meu telefone ocupado só poderia querer dizer uma coisa: era meu tio falando mal dela pra mim. Meu telefone fixo tocou e era meu tio continuando a conversa, relembrando que minha tia mente desde criança, era uma doença… essa sim real. Um escutou a voz do outro, em diferentes aparelhos de comunicação, e resolveram ligar, quase ao mesmo tempo, para a minha mãe e falar mal de mim. Eu gostava de ver o circo pegando fogo e ficava alimentando a discórdia entre irmãos que só pretendiam ajudar o vovô.